Título: Watchmen
Autor: Alan Moore
Arte: David Gibbons
Páginas: 460
Publicado no Brasil pela Editora Panini
Sinopse: O ano é 1985. Os Estados Unidos são uma nação totalitária e fechada, isolada do resto do mundo. As presenças de arsenais nucleares e dos chamados super-heróis mantém um certo equilíbrio entre as forças do planeta, até que o relógio do fim do mundo começa a marchar para a meia-noite, e a raça humana, para um abismo sem-fim. A trama tem início com ilusões paranoicas do supostamente insano herói Rorschach, um dos Watchmen que patrulhava os E.U.A décadas antes. Mas ele estaria realmente insano ou na verdade teria descoberto uma sórdida conspiração para assassinar super-heróis e milhões de civis inocentes?
"Agora o mundo inteiro está à beira do precipício, olhando pra baixo no inferno sangrento. Todos aqueles intelectuais e gente de fala mansa... De repente mais ninguém tem nada a dizer".
Watchmen
não me pegou exatamente desprevenida. Sabia que sua temática era forte. Sabia
de seu prestígio mundo afora e sabia que é a obra-prima de Alan Moore, um dos
melhores roteiristas de quadrinhos de nossa era. A sinopse, que tratava sobre um vigilante
investigando o assassinato de um tal Comediante, instigava, mas não tanto
quanto descobrir que o cenário era a Guerra Fria, plenos anos 80 numa New York
amedrontada pela aproximação de uma 3º Guerra Mundial. E isso não em nosso
mundo, mas numa realidade alternativa no qual heróis mascarados surgiram, lá
pelos anos 40, e que devido a intensas manifestações e greves, foram levados à
ilegalidade décadas mais tarde.
Sendo assim, curiosa, instigada, iniciei o que
fora, para mim, a melhor leitura do ano.
Logo na primeira página, temos uma visão
panorâmica, bastante cinematográfica, de uma carinha amarela sorridente numa
poça de sangue, sendo lavada para fora da calçada. A cada quadro, nós nos
afastamos da rua, subindo cada vez mais, até acabarmos no topo do prédio. Ali,
Edward Blake, o Comediante, antigo herói e agora trabalhador do governo em
guerrilhas, foi assassinado. Jogado para fora da janela. Uma primeira página
muito bem feita, logo seguida de investigadores conversando despretensiosamente
na cena do crime, pois, afinal de contas, é só um assassinato. Quem liga para um
assassinato em vésperas de uma terceira guerra mundial?
Rorschach, o único vigilante na ativa e,
portanto, na ilegalidade, resolve que vai descobrir quem o matou. E acaba
formulando a teoria de que há alguém matando mascarados. Numa espiral de
paranoia e pessimismo, acompanhamos fragmentos de seu diário picotados ao longo
da história. Ele odeia a humanidade, e não tem problemas em matar e torturar
criminosos, o que o deixa em maus olhos diante não só do crime e da polícia,
mas da própria população. Como o Comediante, acredita que a sociedade é ruim e
que nunca melhorará, mas diferente deste, se dá ao trabalho de pelo menos fazer
a justiça. Sua máscara é o conhecido Teste de Rorschach, no qual psiquiatras
perguntam o que você vê nas manchas (o que acaba propiciando cenas tão tensas quanto
cômicas num capítulo). Para mim, o melhor personagem da história, e um dos
melhores que eu já li. É chocante e irônico que o vigilante “mau” pode ser o
mais justo no final das contas.
Outro
personagem digno é o Doutor Manhattan, o único em Watchmen que tem
poderes. Indestrutível, imortal, azul e com habilidades de criar e destruir
matéria, já não é humano há décadas, e a cada dia que passa, sente-se distante
da humanidade. Não reconhece valores dos seres humanos, tornou-se indiferente à
morte e é a principal ofensiva militar dos EUA na guerra. Enquanto a URSS tem
ogivas nucleares, os Estados Unidos tem o Doutor Manhattan, que acha que tem o
dever de proteger o país que um dia ele se importou. Jon protagoniza um dos
capítulos mais fantásticos da obra, no qual ele se exila em Marte e faz um
monólogo interno sobre o tempo e o universo. Flashbacks e o presente na
terra vermelha sob o céu estrelado se alternam, refletindo a uniformidade do
próprio tempo.
Todos
os personagens são extremamente complexos, sabemos de seus medos, suas
angústias, seus passados e as incertezas quanto ao futuro. Se é que haverá um.
Em meio a ameaças de ogivas nucleares, exposto a uma mídia que só reforça a
vinda da terceira guerra, não se pode ter certeza de nada. E esse pessimismo,
essa melancolia, se faz em toda a história. Seja no melancólico e chuvoso
funeral do Comediante, ou nas passagens no diário de Rorschach.
Apesar
de não gostar muito dos desenhos dos anos 70 para trás, eu gostei muito da arte
como um todo. Cinematográfica, cores que representam aquele mundo caótico.
Poucas vezes vi trabalhos tão bem feitos quanto às páginas 10 e 11, onde temos o mais
puro do noir. E os painéis, todos eles, são extremamente bem
trabalhados, a continuidade de ações, os detalhes; não há erros de continuidade
nem mesmo quando vemos a alternância entre o presente e o passado. Alan Moore é
conhecido por escrever roteiros muito detalhistas, e Watchmen ilustra isso.
E
claro, a obra tem uma grande conexão com a literatura. Demasiadamente
literária. Todos os finais de capítulo temos peças de texto que a aprofundam, sejam
autobiografias de heróis da primeira geração, ou ensaios sobre o mundo. Isso
sem contar as famigeradas passagens do diário, pontilhado de textos brilhantes.
Tudo numa linguagem muito bem escrita, que me fez crer que Alan Moore seria um
grande romancista.
"O que aconteceu com o sonho americano?"
"Virou realidade. Você está olhando pra ele."
(responde o Comediante, após matar manifestantes)
Há
vários mais personagens. Laurie, a Espectral que teve a vida que a mãe queria
que ela tivesse; Veidt que só quer a paz, sem se importar com os meios de se
chegar a ela; Daniel, o segundo Coruja que se sente mal por ter desistido da
vida de vigilante. Interessante é que os próprios figurantes tem uma
participação simbólica importante, como o vendedor de jornais e o menino que lê
sobre piratas perto da banca dele. Todos realistas, palpáveis.
O
final é emblemático e logicamente, não vou contar o que aconteceu. Só digo que
fiquei com a sensação que fiquei quando lia Admirável Mundo Novo, aquela
inspiração repentina de que só aqueles que não conhecem a verdade são
felizes. E lendo em Watchmen, eu acreditei. E continuo acreditando. É
complicado. Tudo se encaminha de forma tensa, inacreditável e de repente, você
não sabe o que pensar sobre os ditos heróis. Você percebe que Rorschach, o que
sempre visto como o “vil”, é o único que verdadeiramente se importa com a
justiça, mesmo que seja pela humanidade que odeia.
Pensei
bastante sobre a obra depois de terminá-la. E ainda penso. Penso como é viver à
espera que bombas destruam sua cidade. Ficaríamos desesperançosos como o
vendedor de jornais, ou não daríamos a mínima, viveríamos sem regras e violentamente
como o Comediante? Fico pensando. Não é questão de devanear se Watchmen acontecerá,
é questão de perceber que, como na obra, vivemos numa época em que a humanidade
não acredita nela mesma. E que também, não temos a quem recorrer.
Às vezes penso se alguma história em quadrinho conseguirá superar Watchmen para mim, até lá, ficarei pensando nela. Para quem deseja uma leitura profunda ou só quer mergulhar na tensão da guerra e visual oitentista, Watchmen é fundamental. Você pode comprar a edição definitiva aqui: <https://amzn.to/32yx3Qv>.
…
Spoilers da Graphic Novel e do filme dirigido por Zack Snyder abaixo.
Sim, eu assisti ao filme. E não,
não achei ruim. O roteiro estava praticamente pronto, e foi coeso. Talvez só precisasse
de mais dinheiro para efeitos especiais e marketing, e mais cuidado na escolha
dos atores, pois mesmo que Rorschach, o Comediante e Daniel estarem excelentes,
os outros não brilham (e nem Dan na verdade, mas ele está bem fiel). O final é
um pouco diferente, mas nada gritante e digno do ódio que alguns propagam. O
filme precisa se fechar nele e ele conseguiu.
E devo confessar que logo após
as explosões e mortes e paz, o filme se dá melhor em mostrar a morte de
Rorschach. Consegui ver a hesitação de Manhattan muito mais no filme que no
quadrinho, vi que ele realmente não queria fazer aquilo, mas não teve escolha.
E o ator que faz Walter, nem tenho palavras. Muito bom. Talvez seja questão de
ser audiovisual, mas senti que cena foi mais prolongada no filme, que na HQ. E
a cena do “sonho americano” ficou fantástica no filme.
Entretanto, fiquei descontentada com o primeiro
assassinato de Walter. Na Graphic, sabemos
que o homem morreu com o fogo, e que, provavelmente, tentou se cortar com a
serra pra se livrar das algemas e escapar. Quando li, imaginei o puro terror de
você ser queimado e ainda tentar rasgar seu braço para fugir de algemas. E no
filme... Okay. Não foi uma cena muito bonita, mas não nem de longe tão boa
quanto o quadrinho. Digo, qualquer psicopata (mesmo que ele não o seja) mataria
daquele jeito. Não foi criativo.
A verdade é que uma boa adaptação seria no
formato de série, nem que seja de uma única temporada. Houve notícias a
respeito, com Snyder envolvido, mas não tenho certeza. Na época, uma série de Watchmen ocuparia o lugar assim que Game
of Thrones terminasse. É claro, se for desse jeito, viriam muitas temporadas, e
talvez pegassem alguns pontos de Before
Watchmen. Bem, esperemos!
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