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"Oi, tia
Neide. O Neto ta aí?"
"Claro, meu
fio… Senta aí, que já vou chamar."
Sentei no sofá e meus dedos cavoucaram sua
espuma à mostra no assento ao lado.
Essa casa ainda me parece tão familiar… Há anos
não venho aqui.
"Tecnicamente" sussurrei e
imediatamente olhei em volta para ver se alguém me ouvira. Não, tudo certo.
Dos blocos à vista da parede da sala uma
pintura gasta e barata dava um tom azulado na casa toda; uma cor de lar. A tevê
velha de tubo gritava as notícias sensacionalistas de sempre. Estupro, morte.
Mais do mesmo, para variar.
"E aê, irmão!" Neto me cumprimentou com nosso velho toque de mãos. Respondi o cumprimento mecanicamente. As lágrimas vieram aos meus olhos eu agradeci mentalmente aos óculos de escuro que eu estava usando.
"E aê, irmão!" Neto me cumprimentou com nosso velho toque de mãos. Respondi o cumprimento mecanicamente. As lágrimas vieram aos meus olhos eu agradeci mentalmente aos óculos de escuro que eu estava usando.
"Rayban da
hora." ele pontuou.
"Valeu, mano."
Silêncio.
Ele estava tenso e eu sabia o porquê. Eu estava
tenso e ele nem imaginava o motivo. Ah, se ele soubesse!
"Sobre o
assalto" sua mão tapou
minha boca rapidamente. Apenas um olhar e as mensagens Minha mãe ta aí, Ela
não sabe e Vamo dá um role pra conversar foram passadas.
Levantei.
Sentia-me velho. No quintal de chão batido
algumas partículas de poeira levantavam-se enquanto caminhávamos para fora. Retirei
o pedaço de caibro que mantinha o portão carcomido de ferrugem fechado e o
segurei enquanto o Neto passava. Em seguida, escorei o portão, pensando em como
falaria o que tinha que dizer. Ele me esperava do outro lado da rua, mãos nos
bolsos de sua bermuda. Um breve olhar para ele foi o suficiente para me lembrar
porque eu o admirava tanto. Ele tinha aquela… coisa. Sei lá, um espírito de
liderança que fazia a gente ter vontade de segui-lo.
Tem; me corrigi. Ele tem um espírito de liderança que faz a gente ter vontade de segui-lo.
"Mano, preciso
falar sério com você."
Ele só assentiu de forma significativa. Olhou-me
com toda a seriedade que o assunto que eu iria abordar pedia. Como senti falta
disso!
"O assalto." E pronto. Com
essas palavras dele memórias escorreram por minha mente e se tornaram uma
realidade quase palpável. Não havia rodeio. Não entre nós.
Todo o discurso que eu construíra e ensaiara
para convencê-lo sumiu da minha mente. Em seu lugar, palavras desesperadas
escaparam pelos meus lábios:
"Vai não,
cara. Vai, não."
E quase chorei.
Neto pontuou com toda sua autoridade nata os
pontos positivos e negativos de seus planos; as coisas boas em detrimento das
ruins. Ele falou da tia Neide, da Tuti, a irmã dele. Todas as coisas que ele
sempre quis dar para elas e que não podia. Escola não dá dinheiro, disse.
Bolsa-família? Não dá nem para a despesa de um mês. Lembrou do pai falecido. Da
pobreza. Da necessidade.
E enquanto ele falava, eu quase concordei. Eu
estava lá quando eles passaram fome, quando as coisas realmente ficaram difíceis.
Eu vi e vivi aquilo tudo ao seu lado. Mas eu sabia.
"Você vai morrer." decretei.
"É um risco." e deu de
ombros.
"Não, você vai
morrer. Eu sei."
"Olha…" ele começou.
Seus olhos foram para longe, longe. Era como se ele também soubesse de algo que
eu não sabia.
Mas não falou nada.
Um tapinha caloroso em minhas costas e eu sabia
que o assunto estava encerrado; que não havia nada que eu pudesse dizer o faria
mudar de ideia.
A conversa se encaminhou para temas amenos até
que não tínhamos mais nada para falar. Entramos. Vimos tevê. Ele disse que
tinha que ir e eu murmurei um eu te amo. Ele fez troça do que eu disse. E foi.
O resto da história eu não precisava ficar ali
para saber. Eu já sabia.
Escondi-me um beco, perto de uma casa abandonada.
Apertei os botões certos do óculos e voltei para o futuro.
Em poucas horas o eu do passado receberia a
notícia.
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