O Anjo que caiu do Espaço






Faz exatamente uma semana desde que me mudei para Chaeyoung Pink, uma cidade, bem, na verdade, uma metrópole, de 8 milhões de habitantes. É litoral, o que me encantou desde o primeiro dia, mas com tanta coisa para fazer (documentação da faculdade, faxina na casa nova, várias idas ao supermercado e a lojas), fui somente uma vez.

Amélia até tentou me levar uma segunda vez, mas como? Minha casa está uma bela baderna, precisando urgentemente de um encanador, pisos novos pra cozinha e alguém que conserte a TV por menos de mil cruzeiros.

Claro que trabalhando meio período numa loja de roupas, meu salário não é exatamente uma maravilha, mas fazer o quê?

Agora estou apertada no pequeno banheiro de funcionários lutando para tirar o uniforme e pôr uma camiseta decente no lugar, sem que nenhuma peça caia no chão. Banheiro sem alça pra pendurar coisas é um horror.

Geralmente, não ligo pra sair na rua com uniforme, mas Amelia me chamou pra irmos ao shopping, então vou tentar estar pelo menos decente. Mas meu cabelo ondulado está uma bagunça e não tenho nenhum pente ou escova por aqui.

Já terminei de me vestir quando o celular toca Wayward Son.

— Yas — diz Amelia — não vai pra ir hoje não, foi mal.

— O que aconteceu?

Minha voz é amena, mas meu reflexo no espelho está irritado. Noto que a raíz do meu cabelo está começando a escurecer, num contraste com o louro.

— Cólica, como sempre, já me entupi de remédio, sério, não vejo a hora de chegar na menopausa.

— Sem problema, fica bem. Liga o ar condicionado pra relaxar.

— A gente marca outro dia, juro.

— Ok, a gente se vê.

Bem, eu havia perdido o ônibus porque contava que ela ia me buscar, então agora devo esperar pelo outro que só chega em duas horas. Cidade grande é uma maravilha.

Coloco o uniforme na mochila azul e vou passando pelas araras lotadas de roupas. Saio na rua e caminho a esmo, pois não tem sentido ir para o ponto de ônibus ficar sentada sem fazer nada. Também não vou pegar Uber, os oitenta cruzeiros que eu gastaria poderiam ser usados pra comprar umas coisas que preciso.

Acabo parando de frente à vitrine da Gallifrey Store, uma lojinha de antiguidades e presentes. Sempre acabo vindo aqui na hora do almoço, mas não imaginava que ficava aberta depois das 18h. O telescópio da vitrine sempre me chamou atenção. Bonito, vermelho e encantador, mas o preço alto.

Só que algo me chamou atenção.

50% de desconto!

Olhei para os dois lados imaginando se algum cliente entraria e compraria ele logo só porque eu vi a promoção. 50%?

Promoções de janeiro são boas assim nessa cidade?

Furando meu próprio objetivo de não gastar, comprei.

(...)

Depois de carregar a caixa pra lá e pra cá, como num restaurante baratinho e faço hora. Depois de uma hora peço um suco só pra ficar ali na mesa mais tempo. Em casa depois de finalmente chegar, fiquei horas lutando com manual e posicionamento do telescópio, até conseguir. Hoje é sexta, então amanhã vou poder acordar tarde. Agendo o despertador para me acordar às 3h da madruga para ver se a compra realmente valia a pena. Quanto mais escuridão, melhor, não é?

(...)

Como assim o telescópio está mais barato nesse site? A tristeza me bate de jeito, então fecho a página e volto a assistir um vídeo sobre constelações. Mando uma mensagem para Amelia perguntando se ela está bem. Meu gato, Bulbassauro, passa por cima do notebook, fechando o vídeo. Isso que dá mexer no sofá.

— Gato malvado!

Coloco ele no chão e fico pensando se já não devia dormir já que vou estar de pé de madrugada.

Bulbassauro sobe na mesinha de centro e se deita por cima dos mangás. Preciso comprar uma estante pra guardá-los.

(...)

— Droga — o despertador toca e fico ainda meia hora na cama.

Abro a porta da frente e coloco o telescópio no quintal. O quintal é bem grande, mas cheio de matinho e buracos, e os muros deixam tudo escuro. Posiciono o aparelho no melhor lugar possível e em alguns minutos, já vejo as estrelas.

É sensacional. Fico uns bons minutos ali, até algo surgir no céu. Nossa, uma estrela cadente!

A massa meio esférica está brilhando muito forte, uma intensa luz branca, a cauda deixa um rastro brilhoso como que saído dos sonhos. Fico vendo pela lente do telescópio, maravilhada.

Mas ele se aproximava.

Levanto a cabeça para ver a olho nu e… consigo enxergar. Ele rasga as nuvens com velocidade, mas está muito longe ainda.

Isso é normal? Meu coração acelera. Eles não deviam se despedaçar na atmosfera?

Devia ter percebido antes. Estava enxergando tão bem não porque meu telescópio é de última geração, mas porque já estava muito perto.

Pego meu celular do bolso e, de repente, não sei pra quem ligar. Polícia? Bombeiros?

— Jesus — murmuro, perdida.

Olho de novo pra cima. O pânico me contamina porque o negócio estava muito mais perto, impossivelmente mais perto. Como se de cinco quilômetros, a estrela cadente agora estivesse a meros 500 metros.

Então meu olhar desvia para a fachada de casa e percebo com outro horror que Bulbassauro está entrando em casa. Ergo novamente a cabeça e… a estrela vai bater.

Abro o portão depressa, mas neste segundo entre fugir, lembro do gato. Calculo mentalmente que vai dar tempo. Meu cérebro então para de funcionar e só meu corpo age. Atravesso o quintal correndo e subo os três degraus de uma vez. Pego Bulbassauro no tapete de entrada e corro em disparada pelo quintal, em direção ao portão aberto. Vou correr pela rua igual uma louca, mas não me importo.

Tarde demais.

Naquele mísero instante, sinto o fim. É assim que tudo vai acabar? Sem eu ter realizado um mísero sonho? Sem nunca ter sido realmente feliz? É isso?

Eu devia ter ido para o budismo, espiritismo ou candomblé, qualquer linha que me garantisse que eu estaria fora do inferno ou do vazio absoluto. Porque acabou.

O choque do impacto range meus ossos e sou arremessada para frente, atravessando o ar e o portão aberto, caindo na calçada. Bulbassaro em desespero se desvencilia dos meus braços e sai correndo. Ergo a cabeça e vejo o gato no terreno baldio em frente.

Sento-me e olho pelo portão uma cena de terror.

Minha casa completamente destruída.

Paredes destruídas, chamas, móveis esfarelados, telhado em diversos pedaços espalhados pelo quintal e por cima das coisas disformes que eram a mobília e aparelhos eletrônicos.

É como se minha alma tivesse deixado o corpo, pois só olho sem reação.

Não sei quanto tempo fiquei lá, mas depois os movimentos voltam e vou caminhando em direção aos escombros. Minha mente está voltando a funcionar aos poucos, então vou me fazendo uma série de perguntas.

Por que estou viva? O impacto não devia ter matado tudo ao redor? Por que o meteorito se moveu tão rapidamente?

Vou desviando dos escombros. A TV (mais ainda) em frangalhos, o sofá dividido em quatro pedaços, as paredes em tantos pedaços que nem dava para contar. Quando me aproximo do centro, vejo que até parte do chão foi arrancada. Percebo com horror que quanto mais entrava no que antes era minha casa, pior a situação ficava. Como se quanto mais perto as coisas estivessem do meteorito, mais violento foi.

Vou adentrando o que era o corredor e aqui, as paredes não se destruíram, foram simplesmente transformadas em pó. E então, no que antes era meu quarto, há uma cratera. Uns dois metros de altura e largura, uma profundidade que não devia estar recebendo as luzes da rua, mas tudo está iluminado.

Um buraco no chão completamente iluminado, me permitindo enxergar o fundo.

E lá, havia ela. Uma garota, talvez em seus vinte e poucos anos. Vi o cabelo preso e marrom bagunçado, a blusa e calças, tudo vermelho, o rosto angelical desacordado. Mas o que realmente aumentou meu choque, foi o que estava abaixo dela.

Um par de asas.

Ela abre os olhos.



(...)


*






O Anjo que caiu do Espaço O Anjo que caiu do Espaço Reviewed by Alana Camp. on dezembro 26, 2022 Rating: 5

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