Ontem eu vi um disco voador planando acima da avenida. Eu estava indo embora do trabalho, na pressa que sempre é visível nas pessoas que acabaram o expediente e só querem chegar em casa o mais possível. O ponto de ônibus de vidro fica numa esquina movimentada e arborizada, onde costumo esperar o transporte por poucos minutos, normalmente escutando um podcast ou um vídeo qualquer sobre novela (costumo assistir os capítulos gravados aos fins de semana).
Estava caminhando como de costume, o céu bem azul, umas 17h50, barulho de carros e motos por toda parte, calor excessivo e ar seco que a previsão da semana havia informado no jornal local. Uma normalidade inquestionável. Até que eu vi.
Tinha um formato de disco, aquela forma estereotipada de naves espaciais dos anos 1960. Um disco voador. Era prateado e vinha na mão da avenida, talvez uns cinquenta metros acima dos carros. Fui desacelerando o passo até parar de vez, meus olhos se estreitando em confusão. Eu estava imaginando coisas? Era um balão? Provavelmente. O aniversário da cidade se aproximava, talvez ao invés de um bolo do tamanho de uma pista de corrida ou um show beneficente, a prefeitura decidira fazer algo com balões.
Só que não parecia um balão. Era metal, prateado e sólido, firme como eu imaginava que uma obra de engenharia deveria ser. Ele vinha lento pela avenida e, por segundos em que meu cérebro ajustava essa realidade, somente observei.
como que recuperando os movimentos do meu corpo, acelero meus passos.
— O que é aquilo!? — disse às pessoas no ponto de ônibus, esperando no fundo alguma resposta lógica.
As pessoas me fitaram e logo olharam na direção que eu indicava; porém, elas continuaram a procurar o objeto de meu interesse, virando as cabeças para a esquerda, direita, frente, para cima, na diagonal, as expressões confusas como que sem entender.
— Ali! — eu aponto com dois dedos — parece um disco! Meu Deus!
Não parecia um disco, era um disco. Voador. Estava lá a céu aberto.
— Onde?
— O que foi?
— Cadê?
— O que é?
As pessoas — já nos conhecíamos de vista há um tempo de tanto esperarmos pelo transporte juntas — ainda estavam confusas, as sobrancelhas unidas em interrogação e, após tentativas fracassadas em ver qualquer coisa, voltavam para mim à procura de uma explicação.
— Ali o quê?
— Cê tá vendo o quê?
— Não tem nada ali!
Ninguém via nada. Como ninguém via nada? Meu coração ganhou um ritmo rápido, a ignorância de todos ali e a aproximação do objeto servindo como combustível para o sangue seguir veloz pelas veias. Senti suor se formar sob minha pele.
Eu deveria ter percebido mais cedo. Não eram só meus colegas de transporte público que estavam ignorantes quanto ao fenômeno, eram todos. Os veículos na avenida tinham seus motoristas na mais perfeita tranquilidade, todos ali esperavam o sinal vermelho abrir e avançavam em acelerada marcha ao verde, numa normalidade angustiante — aceleravam não para fugir do objeto, mas para chegar ao destino mais rápido.
O comportamento dos passantes também em nada diferia do de qualquer outro dia; uns caminhavam com os cachorros de raça, outros sozinhos em roupas de academia. Alguns, do outro lado da avenida, entravam em um restaurante japonês com cara de luxuoso.
Onde estava o pânico? Onde estava a fuga desesperada?
Fiquei com medo. Não somente da espaçonave.
“Tem um disco voador ali!” pensei em gritar. Mas naquele momento meus lábios se selaram. Ninguém via. Falar alguma coisa, só faria todos falarem que enlouqueci. Seria isso? Eu não tinha esquizofrenia, problemas com drogas ou qualquer coisa que sequer causaria uma alucinação. Pisquei com força, as pernas pareciam querer perder as forças a qualquer momento.
Meus colegas do transporte público se aproximaram de mim, incertos, alguns com expressão preocupada.
— Você tá bem, moça?
— O que que ela tem?
— Ela tava vendo o quê?
Sem conseguir responder aos sussurros — e outras falas não tão sussurradas assim — ergui a cabeça e meu coração deu mais um pulo, o ar saindo de meus pulmões num embalo tão forte que quase desmaiei. O disco voador estava ali, poucos metros à frente do nosso grupo.
Formado de um metal que eu não conseguia reconhecer, toda a superfície preta tinha uma espécie de quadriculado verde,reluzindo sob o sol de certo ângulo e logo desaparecendo. O metal negro tornava-se prateado cromado e então um cinza cimento, eu não conseguia distinguir a cor de verdade. O disco girava numa velocidade ímpar, sem barulho ou ruído, produzindo no máximo uma leve brisa.
Meus cabelos balançavam.
Petrificada, não pude fazer nada além de observar o objeto. Era real, sólido, existia tal como o ar em meus pulmões ou a fumaça que saía dos carros.
E então, uma janela se abriu. De baixo para cima, a abertura retangular nasceu na superfície redonda do disco. Pela abertura, pude ver uma escuridão forrada por pontinhos brancos luminosos. O céu noturno vivo. Então, ao fundo algo flutuou… parecia uma folha de papel. Ela passou pela janela e dançou pelo ar, pouco acima dos carros que começaram a seguir seu curso com o sinal verde.
O disco voador manteve seu ritmo e foi pela avenida. Talvez ele percorreria inteira e seguiria pelas ruas adjacentes.
O ônibus — e meus companheiros de transporte — se foram. A folha de papel continuou a flutuar pelo ar e, quando o semáforo mudou para vermelho, ela caiu na faixa de pedestres e segundos depois, consegui unir forças para ir até lá.
Era uma fotografia comum. Uma foto minha de quando tinha uns cinco, seis anos. Eu segurava um buquê de flores, um objeto de cenografia que o fotógrafo me dera, meus olhos infantis brilhavam.
Ouvi buzinas. O semáforo mudara para verde.
Mais tarde, contei tudo para minha família e mostrei-lhes a foto. Ninguém acreditou.
— A gente tava vendo as fotos antigas esse fim de semana, lembra? Essa aqui deve ter sumido da pilha — disse minha mãe.
Recusei-me a entregar-lhe a foto. Não deixei mais ninguém tocá-la. Ao dormir, coloquei-a debaixo do travesseiro. Pela manhã, iria à polícia. Um exame de DNA poderia provar que alguma coisa ali não era humano ou comum. Uma pista apareceria.
Ao acordar, não havia foto nenhuma. Vasculhei todos os cômodos, a caixa de fotografias e as outras quinquilharias em cima do guarda-roupa. Nada. Os outros da casa juraram que não tinham feito nada. Querem que eu marque terapia, tome remédios. Eu não quero tomar nada.
Penso em fazer o mesmo trajeto amanhã, ficar no ponto de ônibus, à espera. Olhando para as nuvens, para os carros, para as árvores, sempre à espera de uma brisa que mudaria por alguns segundos a minha vida.
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