Quando a série Jessica
Jones estreou, foi unânime a excelência de sua qualidade técnica, apesar do
desenrolar de sua trama divergir bastante as opiniões. O plot principal se arrasta por longos episódios e longas cenas,
construindo personagens e dramas aos poucos. Pessoalmente, considero o elenco e principalmente a temática da série superiores a sua irmã Daredevil – Demolidor, do mesmo modo que o Demônio de Hell's Kitchen se mostra melhor em
cenas de ação e desenvolvimento de trama. Digo isso, pois a série de Jones, além
de me fazer refletir sobre seus temas nada leves – traumas, abuso psicológico e
sexual, relação obsessiva, aborto – fez com que eu me apegasse de uma maneira ou de outra à
personagem central, Jessica.
Em primeiro lugar, Jessica é diferente de
grande parte das personagens femininas que havia visto até então. Não faz parte
dos grandes estereótipos femininos jorrados na ficção – ela não perde tempo no
espelho combinando roupas, não tem paciência pra lojas, não se remói perto do
celular imaginado se o boy vai ligar
ou não. Jessica é independente, cheia de problemas emocionais e não vê nada de
errado em ser rude com as palavras. Fala palavrões a torto e a direito e eu
pensando que Dean Winchester era boca suja e bebe mais que uma condenada, às
vezes chegando a ser expulsa de bares. Com tantos estereótipos sendo jogados no
lixo, ela se apresenta como uma mulher real, longe de ser uma princesa de
porcelana.
Foi aí que comecei a pensar em protagonistas femininas não em séries, mas na Literatura. A questão é que não me lembrava de ter me identificado/gostado de uma protagonista feminina no nível de Jones, e passei a pensar a respeito. De fato, não é difícil adivinhar porque o hall de personagens favoritos de quase todo mundo é majoritariamente composto por personagens masculinos – seja se tratando de Literatura, ou da ficção em geral -; além da maioria dos protagonistas serem homens, quando as mulheres é que o são, algo engraçado acontece: de repente, a protagonista não tem o protagonismo de fato, pois este é quase que completamente sugado para o tal parceiro romântico, que nem é preciso dizer, domina a trama. E claro, a maioria dos livros protagonizados por mulheres são livros românticos ou com uma veia fortemente romântica.
Porque a única parte de nossa vida que mereça
ser contada é a romântica, claro.
Em meio a Harry Potters, Percy Jacksons e
Hobbits, temos uma infinidade de livros estilo garota-encontra-garoto, disfarçados nos mais variados subgêneros.
Quando tinha meus treze anos, eu os adorava – e apesar de não sentir tanto
apelo, ainda me pego lendo livros românticos, sim, sejam Adultos ou Jovens
Adultos – porem, cheguei a um ponto em que fiquei simplesmente cansada. Não há
o menor problema de escrever/ler esses livros, o problema é por que é tão raro encontrar livros em que somos
protagonistas que não sejam sobre “amor”. Enquanto os garotos aprendem a
manejarem espadas e vassouras, resolvem crimes e partem em jornadas, nós
escolhemos a roupa do baile, ligamos pras amigas para falar do crush ou passamos
uma boa parte do tempo com ele ou pensando nele, ignorando todos os elementos
fantásticos da obra, mesmo ela sendo distópica ou sobrenatural. Porque temos
uma estrada de trama construída, e a garota encontra o garoto e de repente o
sobrenatural/distópico já não é mais tão importante. E se você quiser ler algo
diferente, vai ser difícil encontrar variedades. Acabamos tendo de ler mesmo só
sobre os protagonistas masculinos.
Há umas semanas li um artigo no site Good Reads, chamado “É frustantemente raro encontrar livros sobre
mulheres que não sejam sobre amor (tradução livre)” que resumiu frustrações que ainda nem sabia especificar. Segundo
a autora do artigo, os poucos livros clássicos que contém protagonismo
feminino, mostram mulheres “que não gostaríamos de ser”. O subtítulo do texto
ilustra a muito bem a situação: “Mulheres
na Literatura não pegam estrada pra se encontrarem; elas partem para encontrar
homens”.
Se pensar bem, os poucos livros que me recordo
com mulheres que foram sobre elas, foi Coraline
e beeem antes dele, o O Mundo de Sofia
– ambos escritos por homens. Katniss Everdeen foi um alívio, uma adolescente em
busca para sobreviver à opressão, guiada pelo amor à irmã; mas ainda assim, não
podemos ignorar o final família
tradicional comercial de margarina da
trilogia, que é fora do tom do restante dos livros. Afinal de contas, as
garotas literárias podem lutar e proteger, mas vão acabar casadas e com filhos,
pois é isso o que se espera delas no final. Pra que lembrar a guerreira que
dominou os três livros, se um final de moça tradicional – que teve filhos mesmo
não querendo – é mais fácil?
Voltando a pensar na minha cara Jessica Jones,
fico com um sentimento esquisito em ver que a Netflix, nesse sentido, está superando a própria Literatura, nos
mostrando personagens que tem uma vida, sonhos, problemas, além da vida
amorosa, esta que, certamente, não é tema da série, mero detalhe. Espero que
algum dia eu comece a encontrar livros sobre nós, não somente livros românticos,
sem ter a sensação de preferir as personagens femininas das séries às da minha
amada Literatura. Porque é injusto comparar uma ex-super-heroína sofrendo de
transtorno pós traumático com garotas babando pelo boy-anjo-divergente-vampiro-whatever.
Simplesmente não dá.
Que tenhamos mais protagonismo verdadeiro na
Literatura, antes que só as mulheres das séries televisivas e dos quadrinhos consigam
chamar nossa atenção.
Navegando no Good Reads,
encontrei essa lista de livros (Ficções e Livros com protagonistas femininas
que não são sobre romance), vocês podem achar opções interessantes.
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