Estou num quarto escuro e os sons acima da minha cabeça se resumem a passos, outra moradora andando para lá e para cá, talvez também absorta na tentativa de invasão de nosso prédio. Ninguém sabe se o portão está com problemas ou se ele está completamente normal e o único fato inquietante é alguém (que não deveria) ter a chave. Um notebook se foi, junto do carregador de celular e um tablet da Samsung, a coberta da cama, almofadas da sala e todas as roupas e lençóis dentro do guarda-roupa estavam revirados, cuspidos pro chão a mercê de mãos estranhas.
A moradora do 32 estava trabalhando. Não sei aonde; numa clínica odontológica? Numa sala de aula de ensino médio? No chão de uma fábrica de soldagem? Numa empresa de consultoria? Seja qual local for, seja qual fosse sua ferramenta, um lápis, computador ou trator, ela estava longe quando a anormalidade tomou seu lar. Penso o que teria acontecido se tivesse faltado do emprego, justamente naquele dia, se estivesse lá justamente naquela hora. Teriam desistido se percebessem que o apartamento não estava vazio? Se já estivessem lá dentro e só assim notassem sua presença, teriam recuado? Ou teriam resmungado de ódio e destruído a única testemunha?
No quarto escuro, penso no sangue, escorrendo pelo piso branco-fosco, pontilhando as roupas jogadas no chão, nos arquivos e fotos preciosos do notebook apagados para sempre, como se nunca tivessem existido. Penso no jornal local adentrando o prédio para baforar-se na notícia, chocando os telespectadores e filmando minha porta.
Penso nos próximos dias. Nas próximas tentativas. No sangue. Levarei meu notebook comigo para o trabalho, caso algo aconteça. Porém, no fundo, a preocupação não é o notebook ou qualquer coisa de valor. Se eu estiver aqui, na hora errada, no dia errado, o que pode acontecer? Qual seria meu último pensamento quando for o meu sangue que pontilhar o piso?
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