Quando tinha cinco anos, vi minha mãe jogar um bebê do barco. Era gordinho e bem branco, tão branco que tinha aquele típico tom cor-de-rosa de recém-nascidos. Pelo que me lembro, o barco foi comprado quando ganhamos em uma loteria local, e como morávamos em uma cidade litorânea, meu pai resolvera realizar esse sonho de navegar num barco próprio. Na época, eu não sabia que o nome da bebê era Charlotte, para mim, era só um bebê aleatório que às vezes ficava com a gente. Minha mãe não gostava dela, segurava-a como que por obrigação. Já meu pai, era bastante carinhoso, dava beijos no topo da cabeça e abraçava quando pegava no colo. Sempre que ela vinha para ficar com a gente, ele mandava minha mãe a vestir com a roupinha nova que ele comprara de presente pra ela.
Naquela quarta-feira, feriado, ficamos no barco e a bebê chorava bastante. Minha mãe sempre a pegava para fazê-la parar, desta vez, ela não fez isso. Meu pai começou a falar com ela, reclamar; eu tentava prestar atenção nas ondas do mar (o oceano era radiante), mas era difícil não ouvir a briga. Apertei meu boné cor-de-rosa contra minha cabeça querendo ser surda. Ao me virar, minha mãe levava a bebê chorando para perto do meu pai, mas ele se afastava com cara de raiva; “Eu já comprei as coisinhas dela, o resto é você.”
Uma sombra se formou no rosto da minha mãe e permaneceu. Fiquei parada lá no meio do convés, invisível diante dos ânimos de ambos. Foi tudo um flash, cheiro de maresia e som de choro. Minha mãe a arremessou e a bebê se perdeu lá no fundo; não teve nenhum splash como nos quadrinhos da Turma da Mônica, o barulho do motor do barco e dos gritos foi mais alto que qualquer possível onomatopeia. “Você ficou maluca!? Você ficou maluca!?” Ele a sacudia pelos ombros com violência e a empurrou contra a amurada. Hoje, percebo que ele não tentou salvar Charlotte pois mesmo se um milagre tivesse acontecido e ela tivesse sobrevivido à queda e ao afogamento, ela teria sido destroçada pelas hélices do motor. “Você ficou maluca!?” as mãos dele foram para o seu pescoço; os olhos dele, vermelhos, os dela, também. Meu pai afrouxou um pouco, à procura de respostas, quaisquer que sejam. A voz da minha mãe era rouca, “A Laura é mergulhadora profissional. Tenho certeza que ela não vai se importar.”
.
.
.
Nenhum comentário: