Título (original): Batman: The Killing Joke
Roteirista: Alan Moore.
Ilustrador: Brian Bolland
Páginas: 82
Sinopse: Um dia ruim.
É apenas isso que separa um homem são da loucura. Pelo menos segundo o Coringa, um dos maiores e mais conhecidos — se não o maior e mais conhecido — vilão do mundo dos quadrinhos. E ele quer provar o seu ponto de vista enlouquecendo ninguém menos que o principal aliado de seu maior inimigo: o Comissário Gordon. Cabe ao Cavaleiro das Trevas impedir.
A Piada Mortal é um dos meus quadrinhos favoritos. Sombrio e extravagante, ele mostra Batman, o Coringa e o Comissário Gordon numa perspectiva psicológica. Enquanto no clássico Cavaleiro das Trevas a violência e a cidade são protagonistas, aqui, é o interior das personagens e a discussão sobre a loucura. Somos realmente sãos? Se em teoria os sãos são maioria, então por que a humanidade continua tão perversa? Guerras, fome, desastres, tudo feito por razões menos que estúpidas, e há pessoas tentando fazer o mínimo, fazendo coisas boas e acreditando na humanidade; mas nós merecemos isso? Vivemos num mundo onde o homem comum é considerado louco, e essa é uma grande piada.
A Piada Mortal — a Graphic Novel — foi escrita por Alan Moore, brilhante autor que também escreveu o clássico Watchmen, uma das melhores obras do século XX, e nos mostra um Batman atormentado por sua relação doentia com o Coringa. O Morcego decide visitar o arqui-inimigo no Asilo Arkham (local onde todos os criminalmente insanos de Gotham ficam presos) para ter uma conversa franca com ele, numa tentativa de impedir que eles acabem se matando algum dia. Porém, o Coringa fugiu e Batman agora precisa encontrá-lo o mais rápido que conseguir, antes que o palhaço faça tragédias.
Infelizmente, o Coringa tem um plano. Ele quer provar que qualquer pessoa sã pode ficar como ele, se ela passar por um dia ruim. Joker diz:
“Um dia ruim. É isso que me separa do resto do mundo”
Enquanto somos apresentados ao desenrolar brutal — brutal ao extremo — dos planos do Coringa e a procura obsessiva do Batman pelo palhaço, também conhecemos o passado, ou pelo menos, um dos muitos prováveis passados do Coringa, antes dele ter o seu dia ruim e se transformar no Palhaço do Crime.
A arte consegue dar tanto aquele tom sinistro e sombrio dos primeiros quadros, quando Batman chega para visitar o palhaço no asilo e se senta junto dele à mesa de cartas, por exemplo, tanto nas cenas do sinistro espetáculo orquestrado pelo Coringa, onde as cores vivas e cenários e figuras bizarras trazem a sensação da alegria subvertida, do psicótico engraçado. O tom de loucura e terror. E as cores sombrias da corrida do Batman e as loucuras em cores multifacetadas do Coringa ainda dividem espaço na obra nas lembranças descoloridas do palhaço, em tons sóbrios, fracos, simbolizando a morte e o esquecimento daquela parte da vida daquele homem, ou o simples fato de não ser importante, pois nem ele tem certeza de que aquilo aconteceu mesmo.
Algo interessante a respeito é que apesar de ser “apenas” uma one-shot criada para ser somente uma história curta fora do cânone do morcego, ela acabou sendo tão importante quanto Cavaleiro das Trevas; dentre outras razões, por colocar-se diante dos leitores como a última batalha entre Batman e Coringa. E esse tom de finalidade torna-se ainda mais proeminente quando a história de oposição e tragédia entre as duas lendas culmina-se não numa luta de socos e facas — o que, se tratando de arte sequencial de heróis e vilões seria o esperado — culmina-se em entendimento, numa suspensão de moral. Quando toda a repetida relação violenta entre Batman e Coringa dá lugar ao campo psicológico construído por toda a narrativa. Parece-me mais que uma história intelectual sobre os dois; ela perpassa pelos meandros psicológicos e torna-se um tratado sobre a moral.
O final é deixado em aberto, apesar de tantas discussões e debates acontecem a respeito do que realmente aconteceu na última página, provavelmente a última página mais discutida da história dos quadrinhos. Enfim, se você quer começar a ler quadrinhos, ou só gosta dos filmes do Batman ou simplesmente gosta de fazer leituras significativas, A Piada Mortal é o que você precisa ler.
“O que estou fazendo aqui?”“Está fazendo o que qualquer homem são faria em sua situação... Está ficando louco”
O Final
(Não prossiga caso não tenha lido)
Quando li pela primeira vez, obviamente eu não entendi. Depois, as duas opções — Batman mata o Coringa ou Batman não mata o Coringa — rodando na minha cabeça e passei a ler teorias. A menos é aceita é de que o Batman não o matou. Há elementos na última coisa muito fortes que ajudam na teoria de que o morcego o matou, mas achei interessante e pertinente a explicações que corroboram com essa teoria.
Primeiro, (isso é mais a minha visão do que algo confirmado) temos toda a história violenta entre eles, desde o começo da primeira publicação — apesar de que o aspecto mais violento tenha aparecido com muito mais força após os anos 70 — o que basicamente faz a gente pensar no por quê Batman não o matou antes. Desde sempre os roteiristas se basearam na questão moral do Bruce de não querer matar, mas às vezes, isso se torna uma questão doentia quando relacionada ao palhaço. É claro, não precisamos de um Batman serial killer ala Dexter, porque o fato de Bruce não querer refletir os atos dos criminosos que o atormentam é ponto chave da personagem, entretanto me parece que tem muito mais a ver com Bruce querê-lo vivo do que propriamente querer respeitar seu código moral. Lembro de uma cena no filme Batman Begins de Nolan na qual o Batman, no final, não mata o vilão, mas também não o salva, o que acaba o matando da mesma maneira. Algumas pessoas não concordaram com essa “solução” pois tecnicamente contradiz o código moral da personagem. Eu penso que é mais fácil lidar com uma morte causada por omissão do que você literalmente pegar uma faca e cometer um assassinato. Talvez por isso, nesse filme, essa foi a solução escolhida próxima o suficiente para não negar o cânone dos quadrinhos.
Estou longe de ter lido todos os quadrinhos do Batman, mas eu percebo que esse “não matar sob nenhuma hipótese” também quer dizer não praticar omissão. Noutras palavras, ele vai matar o Coringa assim como não deixá-lo morrer se puder evitar. Como já falei antes, muitas vezes isso fica tão doentio quanto seria se ele realmente o matasse.
Lembro de uma história na qual Batman e Coringa estavam morrendo, e precisavam do sangue um do outro para sobreviverem. No final, quando o morcego estava curado, ele pensa que seria muito melhor se deixasse o palhaço morrer. Conclusão: ele acaba mesmo dando seu sangue e o salvando por razões. Noutra história (que eu tento pensar que não é canônica, pois além da qualidade não ser das melhores, o Batman é realmente um idiota nela) o Coringa é acusado de crimes que ele não cometeu, é preso e condenado a ser executado pelo Estado. Adivinhem? Batman resolve livrar a barra do arqui-inimigo e prender os verdadeiros criminosos, e salvá-lo no último minuto da execução. Foi bem inacreditável essa história, e é a mesma em que descobrimos que o Joker tem mais de duas mil mortes na conta.
Resumindo: Depois de todas as coisas terríveis que o Coringa fez, pode ficar um pouco contraditório que Batman tenha o matado logo depois de entendê-lo. Bruce evita a morte do palhaço após tragédias feitas por ele incontáveis vezes, mas decide fazê-lo na primeira vez em que o Coringa mostra seu lado humano.
Contudo, a teoria do assassinato faz sentido mesmo levando em conta o contexto moral do personagem. Ao chegarmos no final de A Piada Mortal quando Batman revela por que estava o procurando o Coringa, descobrimos que ele já não queria espancá-lo e levá-lo de volta ao Arkham como todas as outras vezes, ele queria uma solução definitiva. Queria ajudá-lo. Quando Coringa confidenciou ao morcego que estava tarde demais para ele receber ajuda, pode ter sido uma guinada final — quando o vilão pela primeira vez é honesto e diz que não jeito, não há mais desculpas para não acreditar nisso.
E é interessante como os papéis se invertem. Vemos o Coringa, pela primeira vez, são. Em contrapartida, Batman ri, o símbolo de alguém que se perdeu na loucura, a única coisa que faz sentido naquele mundo miserável no qual os vilões são honestos. A piada torna-se literalmente mortal e Batman faz o que deveria ter feito há muito tempo.
De qualquer maneira, A Piada Mortal é a melhor história do Coringa e continua sendo uma das melhores histórias em quadrinhos de todos os tempos. Um clássico que todo fã de arte sequencial deveria ler!
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