Vida e Morte e a saga Crepúsculo


Lá pelos meus 12 anos, era completamente apaixonada por Crepúsculo. Amava a escrita, adorava a maneira como a narrativa era contada através das emoções de Bella, uma adolescente introvertida e tímida e muito, muito comum. E ao mesmo tempo, uma adolescente "diferente"; pois todo mundo nesta idade jura que é diferente. Mas em alguma parte da narrativa, melodramática em alguns pontos, pintava-se uma distância muito grande de Bella e das outras pessoas, como um estado pré-depressivo, um torpor. Isso ajudou com que eu me refletisse bem mais enquanto lia.

Anos mais tarde, o amadurecimento e bagagem de mais leituras vieram. E as problemáticas também: o jeito stalker de Edward e sua vontade de afastar Bella de seus amigos, além da obsessão de querer fazer parte de cada segundo da vida dela, incluindo mudar os próprios horários; a obsessão de Jacob em não aceitar um não como resposta e o assédio/abuso que ele infligiu à Bella em Eclipse; o teor pedofílico do "imprint" e o apagamento completo de qualquer escolha das meninas que tiveram a infelicidade de alguém ter um com elas. 

Bem, os problemas estão aí, mas e o livro propriamente dito?

Em comemoração ao aniversário de 10 anos da saga, Stephanie Meyer publicou Life and Death, uma versão do primeiro livro onde todos os gêneros são trocados. Bella vira Beau e Edward vira Edythe. É também uma maneira de reler Crepúsculo, já que praticamente tudo é a mesma coisa a não ser pelo final. É como se ela só tivesse substituído nomes e pronomes e ocasionalmente tipos de roupa, o que é uma pena. No prólogo, Stephanie comenta que Beau diferente de Bella, é menos emocional e sofre de TOC; entretanto, isso nunca é mostrado na história, só citado. E fico pensando no sexismo velado de alguns leitores, pois é bem comum dizerem que a narrativa de Beau é melhor que a de Bella, sendo que basicamente é a mesma coisa. O fluxo de consciência é idêntico, a melancolia, as emoções internas guinando todos os pensamentos, tudo está lá. Uma mulher emotiva é chata, um homem emotivo é poético. Façam-me o favor.

E um detalhe bem legal é que Edward funciona muito mais como uma mulher do que como um homem. Edythe ao mesmo tempo em que é confiante e cada vez mais apaixonada por Beau, está em conflito entre o correto e a lealdade por sua família e os novos sentimentos pela última pessoa por quem deveria nutrir. No monólogo onde ela conta dos primeiros em que conheceu Beau e da luta entre seu instinto e o amor por sua família é um momento interessante que dá peso à personagem. O que me faz se um sexismo interno também entra na jogada porque tecnicamente não há nenhuma diferença entre um e outro. Por que Edythe é mais aceita que Edward? Isso pode nos indicar o estado dos romances que são publicados hoje, pois uma personagem que virou mulher parece mais interessante que muitas que sempre foram mulheres. 

E apesar disso, a troca de gênero não faz muita diferença narrativa. Stephanie Meyer admite que só fez a obra para provar que Bella não é uma donzela em perigo, mas um ser humano em perigo. Aí fica a questão. O fato de Bella não participar efetivamente das batalhas não se trata dela ser uma  "donzela em perigo" porque se ela participasse das batalhas, isso seria simplesmente um furo. Não dá para escrever uma humana lutando contra vampiros. E mesmo assim, poderia haver maneiras de não torná-la totalmente inútil, como na luta final de Eclipse. Ao virar uma vampira, esse problema desaparece. Esse afastamento de Beau/Bella das lutas finais se dá mais pelo conflito de Meyer entre escrever romance ou fantasia.

Veja bem. Meyer faz uma coisa que eu aprecio: ela não mente para o público. Desde a sinopse até a orelha do livro, ela informa ao leitor que se trata de um livro romântico, história de amor, casal, temperado com fantasia. Hoje, muitas e muitas autoras tentam passar a ideia de um livro de fantasia quando na verdade, o livro tem romance como foco. Meyer é honesta, ninguém é enganado ao pegar Crepúsculo. Entretanto, como ainda tem elementos fantásticos, Meyer os utiliza para construir o clímax ao invés dos clichês entediantes encontrados em romances puros. Isso é bom e ruim. Bom porque não é monótono, ruim porque não combina com o resto do livro.

A caçada de James só se dá início a partir da página 241, antes disso, não há nenhum foreshadowing, nada que evidencia que romance/slice of life de uma adolescente e seu vampiro romântico irá virar um caso de caçada, rapto e assassinatos. Temos uma única menção de forasteiros e só. É interessante observar como Bella/Beau toma para si a responsabilidade pela vida de sua mãe, mesmo que o distanciamento possa fingir o contrário. Entretanto fica a questão: não teria sido mais interessante tratar dos elementos vampíricos antes e ao longo da obra? Podemos dizer que o problema só ocorre porque é o primeiro livro, mas no segundo isso também. Em Lua Nova, a mitologia é um pouco mais aprofundada. A história dos Volturi é interessante por si só, as regras rígidas seguidas por todos e monitoradas com autoridade real é premissa muito boa, os personagens milenares, os gêmeos bruxos e seus talentos nefastos; a própria estadia da família Volturi enganando e assassinando turistas é por si só, outra premissa que daria pano pra manga. Mas tudo isso acaba representando uma ínfima parte de Lua Nova, já que no fim do dia, é um slice of life que tenta ser maior do que é e por isso é tão frustrante.

É em Eclipse que Meyer consegue combinar mais o sobrenatural, plot e slice of life de maneira melhor. Logo no começo já temos o perigo apresentado, a mitologia dos lobos se desenvolve e Bella está em frente a várias decisões e muitos finais; sua formatura se aproxima, sua decisão de ser vampira já está tomada e tem uma leve participação na batalha final (do jeito que podia). Ainda há problemas: Edward querendo monitorar seus passos e achando que pode deixar ou não deixar ela ver os amigos, Jacob não aceitando um "não" como resposta e a beijando à força. Na verdade, o "vencedor" do triângulo amoroso já está decidido desde Lua Nova, então o conflito íntimo de Bella é mais manter uma vida como humana ou se tornar aquilo que ela sonha. Eu gosto bastante como aqui Bella mantém suas decisões e convicções mesmo com todos falando o que acham que é melhor para ela; ignora Edward sobre ver seus amigos, ignora Jacob que acha que ela não sabe escolher, quer se formar, quer explorar sua sexualidade como humana e quer ser uma vampira, indo contra Edward. 

Eclipse captura tudo o que eu gostaria que a saga tivesse sido. Ameaças rondando, conflitos de personagens e mitologia. A caçada de Victoria e o grupo de recém-criadas dá uma sensação de desconfiança e sensação de vigia que acelera a leitura. Amanhecer vem e os conflitos entre os personagens mantém a trama agitada. Jacob cresce como um personagem, deixa os instintos de lado e se põe a ajudar Bella (ao menos, antes da maldita Parte III); Edward perde a máscara de príncipe encantado ao mesmo tempo em que coloca a felicidade de Bella acima de seu egoísmo; até mesmo o fato de Bella ser a protetora e não a protegida melhora sua situação enquanto protagonista. 

Em Vida e Morte, não temos Beau consertando sua vida para se preparar para uma nova vida imortal. O final difere de Crepúsculo (a mudança mais brusca entre as duas obras). Aqui, Edythe chega uns minutos mais tarde no salão de balé e já não é possível sugar o veneno das veias de Beau; assim, a transformação ou morte são as únicas opções. Beau opta pela transformação e diferente de Edward, Edythe aceita sua decisão. É um final que faz mais sentido com a história caso fosse um livro único. O problema é que o final é um desrespeito completo com Charlie e Reneé. Fingir a própria morte e aparecer no funeral é uma atitude fria levando em conta que sua contraparte fez questão de continuar suas relações com eles, mesmo que poucas. E Beau não parece todo realizado como um vampiro, é como se fosse um detalhe e não um sonho cumprido no caso de Bella. É claro, precisamos levar em conta que Beau teve somente um livro de preparação e Bella uma saga inteira e a última coisa que precisamos são continuações para Vida e Morte.

No final, acho que somos um pouco injustos com o young adult. Sim, eu gostaria que Meyer tivesse focado em coisas mais interessantes que romances sem sal ou drama de adolescente, mas no fim do dia, não sou mais o público-alvo. Meninas adolescentes também merecem ter seus livros água com açúcar e não há nada de errado nisso.
Vida e Morte e a saga Crepúsculo Vida e Morte e a saga Crepúsculo Reviewed by Alana Camp. on fevereiro 17, 2020 Rating: 5

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