Atalho



A mão dela está fria sob a minha. Seus cílios, sempre tão espessos e ruivos, estão congelados, as pequenas lascas de gelo cobrindo-as delicadamente, contornando seus olhos como maquiagem branca.

O vento entra com facilidade pelo buraco no teto do carro. Está violentamente arregaçado, transformando o teto num mural branco que soprava sobre nossas cabeças. Há dois dias eu coloquei galhos e mato por cima, mas o telhado improvisado não durou muito por causa dos ventos. Não ventava muito no primeiro dia, achei que tudo ficaria bem. Eu só havia errado o caminho para visitar nossa avó na Nova Inglaterra, havia sido teimosa, confiante, arrogante até. Mas tudo se resolveria.

O baque surdo e o estrondo mudaram minha perspectiva, me cegaram por alguns segundos; entretanto, não era a cegueira branca de Saramago, era somente a neve. A neve no chão, a neve voando pelo ar, a neve que parecia cobrir também o céu.

Foi difícil encaixar a porta para pelo menos proteger o interior do carro, mas não havia nada a se fazer quanto ao teto estraçalhado. Um portal para um mundo branco e doentio.

O sinal de celular ora vinha, ora voltava, mas voltava de maneira rápida, tímida, medrosa, não dava tempo para fazer nada. Eu falei para ela continuar tentando pegar sinal, enquanto eu procurava por seu celular perdido na neve. Mas a nevasca aumentava e o aparelho tinha sumido. Três dias. O carro está morto, meu celular sem bateria, o mapa virou uma folha congelada.

A mão dela está fria.

 
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Atalho Atalho Reviewed by Alana Camp. on fevereiro 13, 2023 Rating: 5

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