Muito antes da publicação de Drácula, Carmilla, livro escrito por Sheridan Le Fanu e publicado em 1872,
foi o que inspirou não somente sua criação, como muitas obras posteriores e o imaginário vampírico que perdura até hoje. A beleza, o romantismo, a paixão obsessiva que se mistura à vontade do vampiro de beber a amada, Carmilla é o retrato do vampiro cuja aparência, sensualidade nata, modo de falar e gestos induzem a adoração e posterior infortúnio da vítima seduzida.
Diferente de Drácula e da maioria das histórias neste tema, não há muitas explicações quanto à natureza do vampiro; Carmilla e sua mitologia é envolta em mistério, seu tipo de vampirismo se aproxima mais de um fantasma do que do estereótipo de vampiro que conhecemos. Tudo se inicia quando a jovem e solitária Laura vê um acidente de carruagem contendo uma mãe e uma filha. A mãe, desesperada para resolver negócios na cidade e tratar da filha doente, pede aos moradores da mansão para cuidarem dela. Laura fica alegre pois finalmente terá companhia na mansão no meio do nada que divide com as funcionárias e o pai.
É claro, a filha jovem e adoentada é Carmilla. E quando a conexão e amizade entre as duas torna-se potente demais, a vida de Laura pode estar em risco. E o fato de jovens mulheres serem encontradas assassinadas só piora a situação.
Carmilla foi a primeira vampira mulher (ao menos, na literatura escrita em língua inglesa) e a obra se adentra completamente no cenário e sentimentalismo gótico de sua época; a mansão antiga e sombria, a solidão de Laura em morar num lugar distante de tudo e todos, o céu nublado constante e a opressão de seu trauma combinado com o estranho fascínio à misteriosa Carmilla.
Vai me achar cruel, egoísta, mas o amor sempre é egoísta. E quanto mais ardente, mais egoísta. Não pode imaginar como sou ciumenta. Você deve me amar e juntar-se a mim na morte, ou odiar-me e da mesma forma me acompanhar, odiando-me na morte e além dela. A indiferença não existe em minha natureza apática. (p. 43)
E como na época a lenda dos vampiros era praticamente lendas locais, o mistério da natureza de Carmilla paira em cada página, e mesmo que hoje em dia todo mundo já esteja cansado de saber o que são vampiros, a falta de regras claras e o tom fantasmagórico elevam a trama que poderia não passar de uma caçada à vampira a um drama introspectivo e sombrio. Uma tragédia anunciada de Laura e Carmilla.
E claro, além de ser considerada a primeira vampira, Carmilla também é considerada a primeira vampira lésbica e ajudou a abrir caminho para a forte conexão dos vampiros ao homoerotismo. A relação entre ela e Laura passa por muitos momentos implícitos e outros bem explícitos com confissões amorosas de Carmilla. Há até a probabilidade dela ter seduzido outras vítimas mulheres antes de matá-las, onde o desejo de sangue se mistura ao desejo sexual (o que, curiosamente, foi seguido na série Drácula da Netflix, sobre a qual o roteirista Moffat afirma que em sua versão, Drácula é bissexual por seu desejo sanguinário por ambos os gêneros).
Carmilla é realmente um marco na literatura vampiresca e gótica, sua linguagem bela e íntima narrada por Laura é uma perfeita pedida para os amantes de vampiros e suspense dramático. Uma leitura rápida e fluida que colocou a Condessa Carmilla para sempre como uma das figuras fundamentais do mundo literário dos sugadores de sangue.
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