Garotinha Bipolar |
Eu sempre detestei discurso coitadista. Não que eu duvide do sofrimento das pessoas, das provações e nem acho que é tudo "mi-mi-mi". Dizem que o "mi-mi-mi" é a dor que não dói na gente e não gosto de dar palpite na dor alheia. Porém, ficar olhando para si mesmo com pena é algo que totalmente não faz meu estilo e que eu não consigo muito entender. Eu sou o tipo de pessoa que, quando uma situação me incomoda ou machuca, vou começar a traçar quinhentos mil planos diferentes para sair daquela situação, e vou começar a fazer alguma coisa. Não sei ficar parada passivamente esperando a vida acontecer. Comecei esse texto fazendo essa explicação, porque talvez os sentimentos que eu vá exprimir agora beirem o coitadismo. Já me desculpo de antemão.
Tudo começou com uma música: Empire State of Mind, da Alicia Keys. Toda vez que ouço essa música, tenho uma reação física a ela. Meu coração bate mais forte e tenho muita vontade de estar em Nova Iorque novamente, de ir em lugares diferentes e de fazer coisas diferentes lá. Mas eu acho que no fundo, isso não é sobre Nova Iorque. Isso é sobre a minha "pobreza mental". Eu explico.
Quando eu estava no primeiro - e único que fiz - ano da faculdade de jornalismo, uma professora passou um trabalho sobre um artigo que se chamava "A pobreza como fenômeno multidimensional", de Antônio Pedro Albernaz Crespo e Elaine Gurovitz. A ideia do artigo é de que ser pobre vai além de não ter dinheiro. É uma mentalidade. Amarytia Sen fala sobre como as privações que uma pessoa sofre altera o posicionamento dessa pessoa em outras esferas da sociedade. Enfim, não estou aqui para falar desse artigo. Coloquei o link, caso seja do seu interesse saber mais sobre o assunto.
Eu sou uma pessoa pobre. Eu sou uma pessoa pobre que cresceu e vive em um bairro pobre, violento, rodeada pelo tráfico, por ações policiais violentas e todas essas coisas que muitas pessoas só veem na TV. Eu nunca quis que esse fosse meu único assunto, porque sou muito mais do que a menina da Vila Reis. Mas essa música, em especial, ela me cutuca. Ela dói.
Lembro de quando eu estava nos EUA. Sério, eu sempre quis fazer intercâmbio, mas no fundo eu nunca acreditei que eu realmente conseguiria. Eu sempre quis falar inglês, e apesar de estudar a língua, eu nunca acreditei que eu iria conseguir. Sou pessimista. E quando eu consegui fazer o intercâmbio de au pair e fui para os Estados Unidos, em muitos momentos eu parava e pensava "cara, eu estou aqui de verdade!". E ao mesmo tempo que eu queria sentir muito que eu estava ali, eu sentia uma espécie de medo. Quando eu queria fazer algo maior, alguma viagem ou comprar alguma coisa, sentia que estava sendo muito gananciosa, como se eu não tivesse o direito de ter aquelas coisas ou de viver aquelas experiências.
Eu fui pra Nova Iorque duas vezes. Eu tirei fotos, eu gravei vídeos. Sim, eu me diverti. Mas eu gostaria de ir para ver o lugar, andar por lá e olhar para as coisas. A gente quer colocar tudo em foto, mas alguns sentimentos não cabem em uma fotografia.
Em alguns momentos sinto que não vivi a experiência como um todo. Às vezes eu via fotos e stories de garotas que eram au pair, assim como eu, e eu as via como pessoas muito melhores e mais legais do que eu. Mesmo que nós ganhássemos o mesmo salário e que eu pudesse fazer coisas semelhantes. A diferença, ou melhor, a relação de superior/inferior, só existia dentro da minha cabeça.
Agradeço muito por ter tido uma host family legal, e em especial uma host mom foda pra caralho que me proporcionou experiências maravilhosas que nunca vou me esquecer. Que insistia para que eu saísse de casa e visse o mundo. Eu nunca tive o sonho de ir para Disney, porque eu costumo almejar coisas que eu acho que são viáveis. Mas quando, no natal de 2018, minha host family me presenteou com uma passagem para o parque Magic Kingdom, eu vivi uma das experiências mais mágicas da minha vida. Era como se eu tivesse mergulhado em um universo mágico. Acho que nunca consegui exprimir para eles o quanto eu realmente gostei daquela experiência.
Talvez eu traduza esse texto e mande para eles.
A verdade é que eu acredito de verdade que as pessoas são mais importante do que as coisas, e que o dinheiro não pode comprar tudo. Porém, a ideia de que na verdade não podemos comprar nada e de que eu deveria me por no meu lugar e tentar não viver tão intensamente todas as coisas que acontecem na minha vida por medo delas serem efêmeras, me impediram de me jogar em experiências que talvez eu nunca mais vá ter a oportunidade de viver novamente.
E essa música me lembra disso. Essa música grita na minha cara: viva a sua vida! Você cabe em qualquer lugar em que estiver, mesmo que ache que não! Aproveita!
E eu quero aproveitar todas as coisas que tenho a oportunidade de viver, nessa única vida que tenho. É o que tenho tentando fazer, e espero conseguir. Espero gastar minhas energias nas coisas certas, nas pessoas certas. Espero não me privar de nada porque acho que não é pra mim, mesmo que eu queira aquilo.
Então é isso, eu só senti uma vontade louca de desabafar e transformar em palavras todas essas emoções que a música da Alicia causa em mim.
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