O sol é forte.
Não me escapa e eu não me escapo dele. A túnica arde, a garganta em fogo, não há nada para mim aqui. A areia quente vem através das sandálias e toca minha pele de um jeito grosseiro, espalhafatoso, tal como o vento bate no meu rosto secando os olhos. Tudo é invasivo.
Já não sinto nada que não seja calor, o tempo deixou de fazer sentido; a sede move meus pés na esperança de saná-la, um milagre surgindo em forma de poço ou lago, mas só areia existe, mais e mais areia. Os esqueletos comidos por animais e escondidos no véu branco não servem nem para eu beber seu sangue.
Meus joelhos se dobram, já é meio-dia. Meu relógio quebrado no pulso é o único pertence, além das roupas e sandálias, congelado para sempre, nesta hora, nesse lugar, nessa dor. As orações não adiantam, tentei tantas, a resposta única fora o céu ainda mais azul e o sol ainda mais próximo. Não há água, não nuvens, não há descanso. Continuar perambulando não me ajudaria, mas deitar na areia infernal incapacitaria meu corpo.
Continue. Continue.
Um cacto aparece, não é brilho nem miragem. Ainda é meio-dia quando tento abri-lo. Minhas mãos sangram, se arranham, eu chuto, se dentro dele tem água, era lá que continuaria. Os espinhos me convidam: se jogar meu pescoço de certo ângulo, teria meu fim. Sem dor. Sem sede. O fim.
Até que reparei, finalmente. Um buraco de um lado do cactus, dele, jorra água. Um fio curto, ingênuo, mas água, sei disso. Abraço o cactus enquanto levo os beiços debaixo do fio, bebendo e bebendo, saborosa, curativa, meu milagre. Minha ânsia me levou a parar de esperar pela água cair na boca, mas me aproximar do cactus e sugá-la. Gotas escorrem pelo queixo, não vejo, porém sei que meus olhos brilham atrás das pálpebras fechadas em êxtase.
A alegria e os goles são tantos que começo a tossir, tossidas sem o desamparo acumulado desde o meio-dia. O céu azul não parece tão mortal, a areia sob mim de certa forma, uma auxiliadora.
As tossidas não param. Meu punho sobre a boca se molha com as gotas das tossidas, cada vez mais molhada. Apoio a mão no cacto enquanto abro os olhos e me curvo. Não sinto ou vejo o buraco na planta. Tiro o punho do beiço, não consigo parar as tossidas. Uma dor esquisita no meio da cabeça. Olho para a mão.
Em meu punho, não há gotas d'água, mas areia.
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