Eu me lembro dos seus primeiros passos, claro que me lembro, ou melhor, passinhos, inquietos, inconstantes no tapete de losangos, as meias de bolinhas te traindo e, logo, você caiu em meus braços. Você cheirava a baunilha porque era o shampoo com que eu sempre lavava o seu cabelo, seus cachos pretos e macios que sempre acariciavam meu ombro e pescoço quando você se aninhava a mim.
Com o tempo, você balbuciava, falava; cresceu a ponto de conseguir dizer que preferia o cabelo curto, não liguei muito, com os cachinhos assim você realmente parecia um anjinho.
Adorava passar seus agasalhos, calças de moletom, meias e luvas para você usar tudo quentinho no início da manhã. Toda a sua vida é um brilho incandescente, que queima e ilumina tudo em seu rastro. Lembro-me das noites em claro, da exaustão, a cabeça doendo pelo trabalho duplo, triplo, sem descanso, quando tudo o que eu conseguia ver eram as faturas que se multiplicavam na mesa e as paredes do apartamento que se fechavam sobre mim.
Talvez eu não fosse boa o bastante para você. Talvez eu não conseguiria te dar uma boa vida . Talvez uma outra pessoa deveria ter sido sua mãe. Odiava esses pensamentos, odiava a angústia, a dúvida, o medo, a ansiedade do que você diria no futuro, de como eu nunca fora boa o bastante para você, de como tudo que fiz lhe causou um mal desnecessário, sofrimento evitado se eu nunca tivesse preenchido o formulário de adoção.
Pensamentos desastrosos que se reduziam quando eu olhava para você, quando te sentia apertar meus dedos ou te abraçava enquanto pensava não no futuro ou no passado, mas no presente, no presente que me aquecia, que se apresentava para mim como o único destino possível, um destino com você.
Porque você se tornou minha filha muito antes do formulário, antes mesmo de eu sequer pensar em ter uma. Você sempre esteve lá, à espera, minha pequena, minha melhor amiga, sempre lá.
Você pode não ter nascido de mim, mas eu nasci para ser a sua mãe.
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